domingo, 23 de março de 2014

Daniela Arbex: a mulher que sabia javanês



- Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo ! 
- Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado ! 
- Cansa-se. mas, não é disso que me admiro. O que me admira, é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil  imbecil e burocrático.

Fonte: O homem que sabia javanês, Lima Barreto. 

A burocracia se tornou uma ferramenta para matar, pra você que acredita na ONU e acha que ser ativista dos direitos humanos é fofura total, tome cuidado, a fogueira, a forca, a cadeira elétrica foram substituídas.

É um papelzinho aqui, uma lei acolá... e zás! adeus liberdade, a morte é certa! para aprofundar e criar argumentos memoráveis de boteco, leia sobre a "judicialização da política".

Ando muito impressionada com um livro que li recentemente da Daniela Arbex, essa jornalista mineira é incrível.

LEITURA OBRIGATÓRIA!


Se pra você, o "inferno eram os outros" ou os alemães e as atrocidades da segunda guerra mundial, prepare-se, o buraco é mais embaixo ou em Barbacena... aquela cidade mineira, cheia de flores, docinhos e queijos, que ficou nacionalmente conhecida pelo personagem da "escolinha do professor raimundo", Joselino Barbacena. 


Essa foi a principal lembrança de Barbacena até ter acesso as histórias e fotos do livro de Daniela:

foto: Luiz Alfredo, da então revista O Cruzeiro

foto: Luiz Alfredo, da então revista O Cruzeiro

foto: Luiz Alfredo, da então revista O Cruzeiro

foto: Luiz Alfredo, da então revista O Cruzeiro



foram 60 mil mortos entre os anos de 1903 a 1980


Coisas que não vão sair da sua cabeça:

uma decisão "brilhante" (sem ironias, essa ideia foi aderida em outras instituições) do Estado de aumentar o número de leitos no hospital colônia com camas de feno, sim, palha (!) onde era impossível fazer a higiene de fezes, urinas, além da proliferação de roedores e insetos de toda qualidade que você imaginar.

a outra ideia brilhante, foi fazer um curso de "tratamentos com choque"... as cozinheiras ou responsáveis pela limpeza eram "treinadas" para manipular as máquinas... mas esse treinamento era feito com os próprios pacientes... "puxa vida, esse morreu, mais sorte na próxima maria, vamos baixar a frequencia, pega outro paciente".

os que se cobriam sua barriga com fezes, para que não fossem tocados ou violentadas de alguma forma, mulheres grávidas utilizavam essa técnica com frequência.

a comida que mesmo com variedades de legumes e verduras nas hortas, era feita sem, "pois não havia quem cortasse".

a mais chocante de todas, foi a prática corriqueira dos funcionários, de deixar os pacientes no meio do "pátio" sem roupa, com frio... tente imaginar a temperatura em Barbacena, se quando o tempo fica nublado (ou chove) em Manaus você já tira aquele seu casaquinho da gaveta, imagina pelada, com fome e ao relento no sudeste do país. 

Eles se agrupavam e dormiam empilhados para driblar o frio, muitos amanheciam mortos, asfixiados, ou pela baixa temperatura. os que não sobreviviam eram decompostos em ácido para virar sabão, no pátio mesmo, quando os corpos começaram a não ter mais interesse nas faculdades de medicina... gente, o que é isso... estamos falando de meados de 80 (MIL NOVECENTOS E OITENTA) e sabe-se lá até quando isso ainda ocorre.

salve Franco Basaglia!


Referência mundial para reformulação da assistência à saúde mental
1924-1980, Veneza

As universidades/faculdades de medicina também foram cúmplices, havia/há um comércio abominável de corpos e a grande maioria do hospital colônia era (quando era) diagnosticada com tuberculose, ou seja.

Eles eram a escória da humanidade, mas asfaltaram ruas, trabalharam na construção civil e nas hortas em regime de escravidão total... isso não tem trinta anos... mesmo após a lei 180 de 1978.

Os considerados loucos eram, muitas das vezes, pessoas que estavam tristes, mulheres com TPM, mulheres que brigavam com os pais e gritavam na rua, prostitutas, bêbados, mãe solteira... se identificou com alguma? aliviou por não ter nascido em Barbacena? você, muito provavelmente, teria sido colocado no "trem de doidos" e seria uma vítima do hospital Colônia.

70% dos internados não tinham "doença mental".

Fiz uma disciplina que sempre quis fazer e, recentemente, foi inaugurada em Manaus no PPGAS/UFAM: "antropologia do direito". pra você que gosta de ficar exibidinho e afiado é uma ótima! Li alguns textos sobre o Estado... e estou terminando o trabalho final falando de reservas/parques e terras indígenas da etnia Mura.  
Sinceramente? você chega a conclusão que essa bosta toda de estado e lei, é uma ficção, uma cadeira elétrica. percebi que o tempo todo, estamos num treinamento idiota pra falar Javanês sabe? e que eu tenho muita dificuldade em aceitar esse papel de coadjuvante/cúmplice/vítima das ações de um louco desenfreado. mudez, ódio e roupantes são sentimentos constantes. 

pergunte-se bem rapidinho, onde estão os "loucos", "os presidiários", "os usuários" e tente imaginar em quais condições eles vivem. este exercício serve para as ditas "instituições totais", temas favoritos de Foucault.

Ah, ele também esteve em Barbacena!

No livro diz que o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) fez uma pesquisa em 2004 (DOIS MIL E QUATRO) e sabe-se que existem 28 (VINTE E OITO) instituições com as mesmas práticas do hospital de Barbacena até hoje, tente dormir com essa... até quando você vai dar poder pra essa cambada de filho da outra?

Enquanto isso, no lustre do castelo, você toma seu leitinho quente com farinha láctea antes de ir pra sua caminha gostosa, falando mau daqueles seres pavorosos e sem classe que frequentam shopping center. hã? uma país de imbecis.

castelo rá-tim-bum

Ontem estava andando pelo bairro e vi uma senhora que costuma caminhar nua pela rua com um sorriso sempre enigmático no rosto. pela primeira vez na vida, não senti vontade de levá-la para nenhum outro lugar, nem cobrir o seu corpo, finalmente aprendi que ela pode andar do jeito que quiser, por onde quiser... livre são os "loucos"! os incomodados que se retirem/se mudem/se matem (grata), o quanto antes, muito obrigada Daniela Arbex.

Estou doida pra escrever e mostrar as fotos das "ruínas de paricatuba"! 
mas precisava dessa introdução do livro da Dani.

Dani e Luiz, o fotógrafo das imagens utilizadas no livro, do hospital colônia.


*

Me propus a ler três livros de "ensino médio" por esses dias:

1. O triste fim de policarpo quaresma (Lima Barreto), por sorte, tenho em casa. tio Fabinho fez vestibular em mil novecentos e bolinha e esqueceu por aqui;
2. O homem que sabia javanês (Lima Barreto), baixei na net, é um pdf porco!
3. Urupês (Monteiro Lobato), fiquei com vontade de comprar, ao mesmo tempo quero aprender a usar o kindle pra ler essas coisas mais básicas em pdf e comprar só os livros metidinhos sabe? mas nem sei, tô em transição, falta espaço pra livro e a mochila de viagem anda pesando demais... ando nutrindo fortes desejos por um tablet. mas gosto tanto de livro... ai... :~, vamos ver.

*
por favor, parem de me chamar pra beber! tenho que defender em março e ando arrumando muita sarna pra me coçar! ok, mentira. se não chamar vou ficar puta e acrescento, beber E comer por favor. caldeira só em data comemorativa, faço votos que reformem sua cozinha. 



ps: esse texto estava escrito desde janeiro (acho)... rolêzinho no shopping ainda era notícia.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

textos relacionados

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...