domingo, 23 de novembro de 2014

A comida militante

Não se engane, esse texto está sendo elaborado exclusivamente para os dotados de covardia.

Diante dos acontecimentos recentes contra os povos que não vivem no mesmo ritmo da economia brasileira baseada no agronegócio, por exemplo, você deve manter uma postura mais firme, vigorosa e militante contra as ações do governo federal. Só escrever não basta.

Se as manifestações estão cada vez mais violentas e o seu vudu da Katia Abreu não tem surtido efeito, saiba que há um espaço para você se manter politizada, firme e atuante nos seus ideias sem precisar levar ponto cirúrgico na testa.

Ataque pela comida, calma, vou explicar.

Pra início de conversa, se você decidiu ser vegano justificando que é contra fazendeiro, ruralista ou grandes criações de gado que vem expulsando os pequenos agricultores, dissolvendo a agricultura familiar e demais povos que mantém as duras penas a área de floresta em pé ainda existente nesse país pra você tomar água em casa, saiba que você será rechaçado se vier atacar de soja.


No Brasil a região que mais tem produzido a soja é a centro-oeste... bem pertinho do Parque Nacional do Xingu. A principal queixa dos que resolveram adotar um estilo de vida vegano é que  o consumo de soja por humanos no Brasil não chega a 1%. Já a pecuária, laticínio e ovos (que também usam ração e soja para pecuária) são praticamente 100% responsáveis pelo desmatamento, aquecimento global e efeito estufa.

Diante desta realidade, chegamos a conclusão que a vida não está fácil pra ninguém... tente elaborar outras estratégias para se manter circulando no meio social em que vivemos, ainda sobram a quinoa e pão integral, ouvi dizer que você ainda pode comê-los de boa. Se ficar difícil ser vegano em Manaus, minta e seja cauteloso.

O que fica cada vez mais nítido é que comer virou sinônimo de muita hipocrisia... enquanto você come, indiretamente alguém está sendo explorado, expulso, morto ou escravizado pro seu pratinho estar ali. 

A meta é você arregaçar as mangas:

1. Criar sua própria horta;
2. Ter suas aves pra comer vez ou outra;
3. Juntar com seus vizinhos pra tocar aquele projeto de fazer um pomar no PROSAMIM mais perto da sua casa;
4. Com ambição, ter uma vaquinha;
5. Cultivar uma mini floresta num espaço de seis vagas de carros que um indiano ensinou a fazer um dia desses no youtube.

How to grow a tiny forest anywhere

Tenha o cuidado de se informar quais as espécies
da região pra você não promover um desastre ambiental. 

O céu é o limite se você tem uma ideia legal.

Engraçado que antes de escrever esse texto, a motivação foi para falar da Dona Nice e agora não tô achando um gancho pra inseri-la, bom, o gancho foi esse! O texto é meu e ela entra agora. simples.

É fato que ao lutar por um cocô macio, sim, é isso mesmo que você leu, um cocô fibroso e macio, você percebeu que os grão, legumes e água são fundamentais nesse processo e passou a investir mais neles...

Diante deste propósito de vida muito digno e os encontros maravilhosos que acontecem na sua história, você conheceu Nice e Querubina, duas mulheres incríveis:


As quebradeiras de coco babaçu são mulheres agroextrativistas, guerreiras forjadas na luta pela conservação das florestas de babaçu, pela terra, pela valorização do extrativismo e pela dignidade de ser mulher, as quebradeiras de coco babaçu ganham força política ao se descobrirem como sujeito coletivo a partir da própria atividade produtiva que desenvolvem, sempre realizada em rodas de conversas, em grupos de amizade e em parcerias por laços de família, compadrio e vizinhança. Link: MIOCB - Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco de Babaçu.


Cacho de babaçu

Daí iniciou minha relação de amor com essas lindezas de pessoas e o azeite de óleo de babaçu da Nice que coloco diariamente na minha marmitinha e em uma infinidade de pratos que você pode fazer substituindo o óleo de cozinha (É INFINITAMENTE MAIS SAUDÁVEL)! Se você não teve a sorte de encontrá-las, ou conhecê-las... vá ao Maranhão nos municípios de Imperatriz ou Penalva, ou compre pelo Site: Produtos de Babaçu. amei! :)


Azeite, novembro, 2014.


Uma outra proposta legal é você consumir os produtos cultivados pelo Movimento Sem Terra (MST):


Tem outros produtos no próprio site do MST

Olha que entrevista linda:

É preciso mostrar para a sociedade as diferenças entre agronegócio e campesinato. O agronegócio procura evitar esta diferença, afirmando que a agricultura familiar é agronegócio. É preciso manter a diferença para que a sociedade entenda que o campesinato produz comida saudável enquanto o agronegócio produz comida contaminada, produz lixo. A reforma agrária tem que ser feita na perspectiva da agroecologia, com ordenamento territorial para proteção ambiental. Os limites do agronegócio está no que ele mais defende: a produção em grande escala. Leia na íntegra: revista fórum.

Essa matéria tá bem bacana também: MST 30 anos - da terra à comida.

Em Manaus há um grupo de mulheres indígenas/agricultoras da etnia Kokama que cultivam uma horta de legumes e verduras sem agrotóxicos na comunidade Nova Esperança. Fica no Km 08, mais conhecida como ramal do Brasileirinho, no bairro Puraquequara II (zona leste). É tudo muito lindo e gostoso!!! :D~

Fonte: Altaci Rubim

Fonte: Altaci Rubim

Fonte: Altaci Rubim
Atualmente as mulheres Kokama estão vendendo, também, os seguintes produtos:


ahhhhhhhhhhh eu quero uma garrafinha!!!! :)

Aproveite o ritmo de plantações e consuma o que tiver no sítio dos seus pais também:

Macaxeira, novembro, 2014. a primeira fofura!!! <3

Agora é o seguinte, se você acha que comprar um azeitinho das quebradeira de coco ou um saquinho de arroz do MST é o suficiente, não se iluda, como eu já disse no início do texto: ESCREVI PARA OS COVARDES (como eu). De toda forma, acredito sinceramente que a compra desse saco de arroz, ou o azeite, ou os legumes das mulheres indígenas seja bastante significativo para cada uma dessas pessoas.

Não esqueça de agradecer todos os dias à esses seres maravilhosos que pagam com a própria vida para que você respire, coma e beba água até hoje. Sinto lhe informar que não é exagero, pare de veicular discurso de ódio contra essas populações, ser contra a demarcação dos seus territórios e achar que a Globo tem razão quando vulgariza e criminaliza esses movimentos que resistem as duras penas à esse modelo absurdo de desenvolvimento. Aliás, esse desenvolvimento é pra quem?

O mundo é bem maluco.

Leia: "Cem anos de solidão", maravilhoso é pouco.







terça-feira, 11 de novembro de 2014

um domingo de solidão e muita delicadeza...

Após três dias de intensa violência: quinta, sexta e sábado, ironicamente... me recolho num domingo chuvoso pra entender as origens de toda essa maluquice, sim, eu estou falando do mundo... e da chacina no Pará também.



Esse é o tipo de livro que você se pergunta: como posso ter vivido até hoje sem ter lido uma página desse Colombiano? Busquei refúgio no lugar certo...




terça-feira, 4 de novembro de 2014

Ver-o-peso e outras comidinhas

O parente desmemoriado de Manuel de Borba Gato ao pisar em solo Paraense, deixou de lado a cobiça por ouro e esmeraldas imposta por seus ancestrais, e espalhou aos quatro ventos que queria experimentar o melhor Açaí da região. Ouviu falar de uma rixa antiga entre Manaus e Belém e foi tirar a prova deste sabor nas mediações da rodoviária principal da cidade.

Açaí fresco com farinha de tapioca, Belém, 2014.


Ao experimentar o delicioso vinho de Açaí, decidiu guardar à sete chaves o resultado do método comparativo nesta refinada empreitada degustativa para não ferir o coração de ninguém, seu amigo Vladimir Maiakovski  havia feito um bom trabalho neste jovem rapaz. 

Ao andar desnorteado atrás de algum lugar que lhe oferecesse peixe frito ainda próximo à rodoviária, teve uma nítida lembrança de uma professora de literatura, Nicia Zucolo, falando sobre uma ilha à duas horas de distância do centro da cidade... : "eu moraria em Algodoal... amo!" 

Guardou na memória este nome, aproveitou que tinha algumas moedas no bolso e correu para a casa das onze janelas em busca do seu peixe frito, Luma sugeriu Filhote.

Casa das onze janelas.

Uma de suas melhores lembranças vinham deste lugar, foi lá onde dançou carimbó no encerramento da 27a Reunião Brasileira de Antropologia (2010) até o seu último suspiro! Apesar do barulho ensurdecedor que vinha do bar palafitas, sentou de frente para o Rio e foi observar o cardápio como quem não quer nada... achou os preços caríssimos, mas sem pestanejar, pediu o tal do Filhote. Com as poucas moedas douradas no bolso sabia que conseguiria pagar o prato. Novamente pensou no seu método comparativo e fez uma aproximação entre o tambaqui e o pirarucu... não ousou dizer uma só palavra. Os sabores das três espécies o deixava cada vez mais desnorteado e entusiasmado com aquela região.

Quis conferir o tamanho do "Peixe Filhote" e correu no Ver-o-Peso.

Foto: Dorival Moreira, Mercado Ver-o-Peso

Chegando lá, percebeu que sua pressão baixou e quase sofreu um desmaio... era o calor. Não estava acostumado com o sol generoso daquela região... parou em um dos botecos do mercado e pediu uma Cerpa gelada. Aquilo sim era cerveja!

No meio de uma observação atenta ao Rio que estava a sua frente, presenciou uma cena que jamais esquecerá, esqueceu a busca ao Filhote e tirou o caderninho do bolso, um lápis quase sem ponta e sussurrou para si mesmo:  Neste exato momento Bukowski sente inveja de mim.

Mercado ver-o-peso, 2014. Obs: estas pessoas foram consultadas
quanto a utilização das fotos, no entanto, decidi não citar seus nomes.
O descendente de bandeirantes percebeu que ao lado de sua mesa, havia um casal que conversava inebriadamente, deixando a nítida impressão de desejo um pelo outro, coisa que jamais vira em lugar algum. Na falta do que fazer, passou a observar o casal com interesse e atenção. Notou que o rapaz, ao tentar seduzir a moça comprando para ela alguns pares de calcinha rendada nas cores preta e vermelha oferecidas por uma gentil senhora que passava vendendo perfumes e peças íntimas entre os frequentadores do bar-mercado, foi interrompido por um terceiro personagem: o romântico tatuado. Tendo em vista travar um duelo com o comprador de calcinhas e laçar o coração desta mulher que despertou o desejo de ambos, tentou neutralizar a compra das peças rendadas oferecendo nada menos que a eternidade ou até o fim de sua própria existência: a própria pele com o nome da amada... 

No exato momento em que os olhos da mulher amada se cruzaram com o olhar romântico do jovem tatuado, a vigilância sanitária cercou o espaço e grotescamente retirou o tatuador de cena o acusando de falta de higiene na sua prática de trabalho. Ele refutou as acusações dizendo que usava luvas descartáveis e máscara cirúrgica. Foi "advertido" pela figura do Estado opressor sem entender absolutamente nada daquelas acusações.

O neto de Borba Gato aproveitou a deixa, pagou as duas cerpinhas geladas e correu rumo à rodoviária. À tempo, pegou uma Van (não vá de ônibus), atravessou Belém e em duas horas chegou nos limites de Marudá. 


Trajeto de Belém a Marudá.

Agora faltava pouco, mais uns 30 minutos e estaria na Ilha de Algodoal. 





segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dalcídio Jurandir e a Ilha do Marajó

Neste exato momento, enquanto você digita estas poucas palavras, está rolando o I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, naquele mini país lindo: Belém do Pará. Fico aqui pensando, o que os organizadores queriam dizer com América Amazônica? rs curti!

Duas amadas incríveis foram selecionadas para participar deste evento com os seguintes temas:

1. Ninfomaníaca: Von Trier falando de Von trier, gênero, Natureza e Cultura.
2. "Fotos para Recordação": construção de imagens sobre a "farinhada".
3. Drácula de Bram Stoker e Segredos de Sangue: figurino, uso de cores, sexo e morte em representações cinematográficas.

Diante desta demanda pra lá de especial, fui gentilmente consultada para indicar possíveis lugares para aproveitar o tal congresso, depois das pesquisadoras participarem de todas as atividades do evento, obviamente.

Muito bem, pare tudo que estiver fazendo e vá a Ilha do Marajó.

Esta obsessão teve início com o querido Dalcídio Jurandir. Você não o conhece? Vou apresentá-lo.

Dalcídio Jurandir, 1909-1979.


Olha a cara de gente boa do meu amigo Dalcídio! grande rapaz paraense!

Deixa eu explicar quem me apresentou este querido:

"Esta monografia foi originalmente escrita em inglês e apresentada ao Departamento de Antropologia do Departamento de Columbia, como tese para doutorado sob o título: The religion of an Amazon Comunity: a study in culture change (escrita por Charles Wagley) (...) A maioria dos estudos e ensaios sôbre a vida religiosa do caboclo da Amazônia é orientada por um interêsse aparentemente folclórico, e neles se dá excessiva atenção a sobrevivência de velhas crenças, aos aspectos exóticos de algumas práticas ou de rituais, e as teorias que procuram explicar as origens dessas manifestações culturais. Exceto em alguns romances de feição original, de que destacamos o excelente "Marajó", de Dalcídio Jurandir..." (Eduardo Galvão escreveu este texto no Prefácio do seu livro: Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas  em 1954)

Dando uma checada rápida naquele instrumento de pesquisa vulgar (wikipédia) odiado por todos os professores e pesquisadores com escrúpulos do planeta, percebi que Dalcídio nasceu na vila de Ponta de Pedras, localizada na Ilha do Marajó (PA) em 1909. Depois mudou-se para Vila de Cachoeira onde passou grande parte de sua infância. Em Belém deu continuidade a escola formal em um dos melhores colégios da região. Com 18 anos, viajou para o Rio de Janeiro e passou um perrengue danado por lá. Para sanar esse problema financeiro, nosso jovem romancista resolveu lavar pratos de onde tirou uns trocados, e nas horas vagas revisou textos na revista Fon-Fon (de graça)... o nosso herói foi esperto!

Após três anos nesta empreitada, curtindo umas ondas em Ipanema e visitando os sebos locais, volta pra Belém por cima da carne seca escrevendo para vários jornais e revistas da capital. Militante Comunista, foi preso em 1936... neste período pós-aécio-never, os coxinha pira.

A vida deste "paraense do século" foi incrível... definitivamente, todo mundo que é legal se conhece, um nome nunca está a toa ou de bobeira num livro... acredite. Eles já beberam juntos num boteco sujo qualquer, APOSTO! Consultei os melhores e mais viajados especialistas da região e infelizmente nenhum deles possui o exemplar da belezura premiada que Dalcídio escreveu em 1947: Marajó. 

Depois dessa introdução nerd, mas super apropriada, sigo na obsessão.

Uma outra peça do quebra cabeça que nos levou a esta Ilha, foi um prêmio do Itaú Cultural ao Grupo de Tradições Marajoara Cruzeirinho, com a música "Barquinho à vela", ouvido no lugar mais inóspito para começar uma aventura à Ilha de Dalcídio. 

Ilha de Marajó, Soure, 2014.


"Barquinho à vela" fisgou o ultimo Bandeirante perdido naquela selva. 

Por estar bastante tempo separado do seu bando, uns quinhentos anos aproximadamente, este último descendente de Borba Gato perdeu a memória, mas leu alguns escritos do seu amigo Vladimir em meio ao seu sono profundo. Ao despertar, decidiu não colonizar, matar ou escravizar índios, decidiu que mesmo sem lembrança alguma de seus antigos comparsas, seria todo coração.


"nos demais,
todo mundo sabe,
o coração tem moradia certa,
fica bem aqui no meio do peito,
mas comigo a anatomia ficou louca,
sou todo coração." 
(Vladimir Maiakóvisk)

O tal desmemoriado resolveu carregar um caderninho embaixo do braço, inspirado no modo de trabalho dos primeiros viajantes e antropólogos pós-malinowski, tal como aprendeu na sala de aula com Marta Amoroso. Disse que ao voltar, contaria uma história que muitos não acreditariam, nem mesmo ele: "serão histórias não imaginadas". Acrescentou com a voz empostada: "Jamais dormirei novamente"!!! nos fazendo lembrar da película famosa: E o vento levou.

Munido deste equipamento simples e eficaz: lápis, caderno e alguns remedinhos pro estômago, embarcou na primeira aeronave e foi visitar o queridão Dalcídio, digo, foi em busca do Cruzeirinho de Soure para recuperar os anos sonolentos de outrora.

De uma coisa ele tinha certeza: boa música faria parte dos planos.

Grupo Cruzeirinho no Cultura Ponto da Ponto.


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