terça-feira, 9 de agosto de 2016

As vinhas da ira, The grapes of wrath


"E à noite acontecia uma coisa estranha: as vinte famílias tornavam-se uma só família, os filhos de uma eram filhos das outras, de todas. A perda de um lar tornava-se uma perda coletiva, e o sonho dourado do oeste um sonho coletivo. E podia acontecer que uma criança enferma enchia de pena os corações de vinte famílias, de cem pessoas; que um parto numa tenda mantinha cem pessoas em silêncio e em expectativa durante uma noite e que a manhã seguinte encontrava cem pessoas felizes com o êxito de um parto estranho. Uma família, que uma noite era antes errara apavorada na estrada, procurava então, talvez, entre os seus parcos tesouros, algo que pudesse ser dado de presente ao recém-nascido. À noite, sentados ao redor da fogueira, os vinte eram um só. Uma guitarra surgia então de sob um cobertor e soava tristemente, e canções eram entoadas, canções populares. Os homens cantavam a letra e as mulheres cantarolavam a melodia. 

Todas as noites um mundo surgia: amizade se faziam, inimizades se estabeleciam; um mundo completo, com gabolas e covardes, com gente silenciosa, com gente humilde, com gente bondosa. Todas as noites, relações eram feitas, relações que modelavam um mundo à parte; e todas as manhãs esses mundos se desfaziam como circos ambulantes.

A princípio, as famílias titubeavam nas montagens e desmontagens desses mundos; mas gradualmente a técnica da construção de mundos tornava-se a sua técnica. Os líderes surgiam, leis se faziam e códigos eram observados. E à medida que os mundos se deslocavam para oeste mais e mais completos se tornavam, porque seus construtores já tinham adquirido mais e mais experiência."

A fotografia "migrante mother", de Dorothea Lange [década de 1930] mostra Florence Owens Thompson, mãe de sete crianças, de 32 anos de idade, em Nipono, Califórnia, março de 1936, em busca de um emprego ou de ajuda para sustentar sua família. Seu marido havia perdido seu emprego em 1931, e morrera no mesmo ano. 



STEINBECK, John, 1902-1968. As vinhas da ira; Tradução de Ernesto Vinhaes e Herbert Caro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 258 [O livro foi publicado em 1939, e o filme, dirigido por John Ford , em 1940]


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